A vida é o mar onde todos os desejos se encontram e se afogam

A vida é o mar onde todos os desejos se encontram e se afogam

quinta-feira, 31 de março de 2011

Boneca da peça



Eu era apenas uma garota cheia de dentes brancos
Com meias grandes e cabelos curtos cobrindo os olhos astutos
Apenas um par de pés afundando no gelo do asfalto
O vento esvoaçando minhas pesadas vestes
Quando minhas pernas curtas tentavam grandes passadas

Era apenas uma canção uivando na mata do sertão
Uma borboleta em meio à estrada, prédios e caminhões
Fios de cores hamônicos entre tecidos ásperos

E saltitava entre as terras barrentas como se sob as nuvens
Fosse encontrar sabão, trazendo para o peito os chiados dos animais
Gritando de revolta quando se estufava o ventre, rugindo entre dentes
os sentidos mais profundos, libertando-os com grandes e graves risos

Eu era apenas dois dedos no urso de pano, fazendo-o entrar num salão
E explodir em brandos seus sonhos mais loucos, apenas a voz estrunchada, meiga
ou calma, a voz de um personagem na tv.

Eu sempre fui uma atriz num palco grande demais para me perceber.

Miragem



Êxtase!É tua miragem aparecendo nas minhas sombrias manhãs
Vento forte, neve caindo, teus pés a correr pelo deserto branco de algodão
As ondas dos teus cabelos afogando o semblante de teu sorriso
Movimento repartido, apagado nas sombras da janela de grade.

Suspiro na tentativa de recobrir algum refrescor na noite de fogo
Queimando toda sua beleza e transformando a miragem em águas
Que deslizaram sobre meu semblante seco.

E quando o peso da vida me recai sobre as palpebras
Reencontrar no sono teu olhar de fogos explodindo em cores no céu preto
Tornando-o arco-ires em meio a trovoadas dos meus nebulosos dias

Redemoinho de tensões, me espeta o peito a vontade de criar asas
Revolver meus passos e encontrar permissão para reviver-te
Mas aonde estás?Fui no jardim e ele se tornou pedra de asfalto
Não havia mais cheiro de terra gelada, minhas mãos já eram gastas
E não havia nem caminho, nem sorriso, nem fulgor
Eram apenas o que eram, e o que eram era mais forte do que se tornou.

Não há mais miragem em minhas noites, o sonho se desfez quando abri os olhos
Nada fora tão êxtasiante no passado, era apenas eu que instalei o êxtase onde havia dor.